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Saúde mental dos colaboradores: uma estória mal contada

Saude

A saúde mental está para as organizações como as calças de ganga estão para quem as veste: nunca passa de moda. Bem, existe uma pequena diferença. A elevada resistência aos sucessivos testes da máquina de lavar roupa, o desgaste das cores ou do tecido que vai abrindo até rasgar, apenas acentuam a longevidade e o estilo característico de tão icónico artigo.

Com a Saúde Mental passa-se quase a mesma coisa; isto é, enquanto as calças de ganga se pagam no ato da compra, a saúde tende a pagar-se no fecho de contas e custa, custa muito mais a despir do corpo que umas quaisquer calças da ganga.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), por definição, Saúde Mental refere-se a um padrão de bem-estar, potenciador do desenvolvimento de competências pessoais que, acrescento, capacitam o indivíduo para um exercício de gestão entre as esferas da sua vida e o contexto profissional.

As métricas do nosso mundo interior e substancial, de que somos parte invisível ao olhar comum, que não o pode quantificar tanto quanto o deveria compreender, subsiste em nós como um compromisso a que nos predispomos, uma negociação a que nos adjudicamos, um ciclo que, em si mesmo, se nos revela recorrentemente incompleto. E como em qualquer outro jogo de forças, nem sempre conseguimos conciliar a relação entre a comunidade em que vivemos inseridos e o cumprimento de critérios conducentes a um desempenho produtivo. E descompensamos.

Não obstante, tais fatores tanto podem assumir-se de risco como de proteção, fatores esses inerentes à condição biopsicossocial da pessoa que, perante uma determinada situação, ora tendem a desencadear comportamentos particularmente resilientes, ora se associam a quadros de especial vulnerabilidade psicológica. Importa, sim, referir o seguinte: num caso ou noutro, podemos estar perante a mesma pessoa, porventura, um profissional de excelência para a organização que representa.

Olhemos à pandemia da Covid-19. Apesar de sistematicamente errado, nesta análise polarizada e dicotómica, tomemos como exemplo; por um lado, o grupo de colaboradores que, dado o carácter de utilidade pública da sua atividade, embora revezando-se por períodos de isolamento profilático, se mantiveram operacionais no terreno. Por outro, o grupo de colaboradores que, de repente, nos idos de março, deram por si a trabalhar remotamente. Questionar, em termos absolutos, qual destes dois grupos terá sido mais afetado pela pandemia é, na sua formulação, errado. Uma vez mais, perante uma mesma causa, observamos um efeito de dispersão e sobreposição. Se os primeiros conservaram rotinas de trabalho com maior ou menor exposição ao vírus, muitos outros, ao voltar para casa, viram-se confrontados com a necessidade de adaptação a uma nova realidade, diluída, duplamente exigente, altamente indiferenciada.

Mas, então, onde é que entra aqui a Saúde Mental?

Para muitos de nós, em setor ligado à gestão de Recursos Humanos, que abdicámos de rotinas inúteis, que redefinimos o tempo de qualidade na rápida transição para o sofá ou secretária caseiros, ou nos minutos evitados no trânsito dessa manhã, que retribuímos com inexcedível sentido de dever e gratidão e sobrecompensando as horas que, de outro modo, se consumiriam em intervalos contraproducentes… Para muitos de nós que transformámos a maratona de 52 semanas numa prova de sprint e substituímos a incerteza do futuro – para nosso entusiasmo e orgulho – por resultados muito promissores, sentimo-nos bem, muito bem.

Só que, nisto, um pequeno descuido, uma distração aqui e ali, a manifestação de um sintoma tornado visível sem a nossa permissão, mal explicado, porque traduzido numa expressão numérica iminentemente mensurável, desviando atenções de uma psicometria de grau e intensidade. E como outro terá dito: se não pode ser medido, não pode ser gerido. Por esta razão, o tema da saúde mental nas organizações só pode ser abordado numa perspetiva tão iminentemente preventiva quanto relativa.

E porquê? Pandemia, teletrabalho e saúde mental podem ser vistos como dimensões sobrepostas, do mesmo modo que o isolamento social, a falta de interação com colegas de trabalho ou a dificuldade em separar a vida pessoal da profissional podem – prevalecendo sobre medidas positivas de flexibilidade horária, economia de tempo e dinheiro – assumir-se como fatores de risco; os quais, por seu turno, podem desencadear pensamentos e comportamentos desajustados, afetando o nosso humor, a capacidade de nos conectarmos com as pessoas ou o nosso próprio sentimento de realização pessoal. Daqui decorrente, a síndrome de burnout tanto pode ser tida como causa ou efeito. Combinados entre si, estes fatores correlacionam-se com o bem-estar emocional dos colaboradores.

É preciso entender isto: quando um colaborador abandona a organização, rescinde mais do que um contrato de trabalho, suspende também, por tempo indefinido, o seu sentido de competência e capacidade de relacionamento num futuro ambiente de trabalho. Terão existido sinais? Talvez sim; mas, como podemos falar de saúde mental se aqueles que lideram não estiverem sensibilizados ou preparados para cuidar das suas pessoas? Não podemos. Talvez a saúde mental deva ser tanto uma preocupação das organizações quanto dos próprios colaboradores. E saberão estes, na cultura em que vivemos, de constante superação dos limites, identificar os seus próprios sinais de alerta? Duvido.

Se é verdade que o processo de mudança começa em cada um de nós, o enquadramento da saúde mental numa agenda de compromisso e responsabilidade social das organizações, mais do que prevenir a desviância, poderá assumir-se como verdadeiro motor de desenvolvimento de competências sociais e emocionais. É disto, sobretudo, de que são feitos os bons profissionais.