O que mudou no código do trabalho em 2023
1. Fala-nos um pouco sobre o que é e qual a importância do Código do Trabalho em Portugal.
Desde o final de 2022, temos assistido a várias aprovações de propostas que vêm alterar o Código do Trabalho. Todas estas alterações à lei laboral, são propostas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, com a intenção de melhorar as condições de trabalho e, consequentemente, a qualidade de vida dos trabalhadores. Esta Agenda do Trabalho Digno foi aprovada na generalidade em julho e o início da sua discussão na especialidade começou no dia 29 de novembro de 2022.
A Constituição da República Portuguesa é muito clara na garantia do direito ao trabalho. No entanto, o direito ao trabalho pressupõe deveres do trabalhador (e do empregador) que devem estar bem presentes. O código de trabalho em Portugal regula juridicamente as relações laborais entre empregados e empregadores. Os procedimentos legislativos sobre remunerações que atribuir aos trabalhadores, regula os horários de trabalho, subsídios a atribuir, períodos de férias e ainda questões relacionadas com contratos e despedimentos.
Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a proteção da segurança e saúde do trabalhador; e acima de tudo garantir condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal.
2. Com que frequência existem alterações no Código do Trabalho e qual tem sido a relevância destas alterações.
O Código de Trabalho define os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e foi aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro que veio revogar o anterior definido pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto. Mas ao longo dos 24 anos tem sido adaptado com as sucessivas alterações introduzidas desde 2011, estando atualmente atualizado através da Lei n.º13/2023, de 03 de Abril.
3. Que novidades nos trouxe o Código do Trabalho em 2023 para o Trabalho Temporário?
As alterações mais relevantes para o trabalho temporário foram:
- Foi alterado o número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário a termo certo. Até aqui, seriam possíveis 6 renovações, sendo que, com estas alterações à legislação laboral, este número foi reduzido para 4 renovações. Ficou ainda decidido que, após estas mencionadas 4 renovações, as empresas serão obrigadas a integrar os trabalhadores nos quadros.
- A duração de contratos de trabalho temporário sucessivos em diferentes utilizadores, celebrados com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, não pode ser superior a 4 anos, sob pena de o contrato se converter em contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária.
- Alcançada a duração máxima do contrato de utilização de trabalho temporário não é permitida a sucessão no mesmo posto de trabalho de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns. A proibição aplica-se antes do decurso de um período igual a um terço da duração do referido contrato, incluindo renovações.
- O trabalhador tem direito a férias, subsídios de férias e de Natal, bem como a outras prestações regulares e periódicas, em dinheiro ou em espécie, a que os trabalhadores do utilizador tenham direito por trabalho igual ou de valor igual. – É retirada a parte do “em proporção da duração do respetivo contrato”
- A falta de pagamento pontual de crédito do trabalhador que se prolongue por período superior a 15 dias deve ser declarada, a pedido deste, pelo empregador, no prazo de 5 dias ou, em caso de recusa, pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no prazo de 10 dias.
- As Empresas de Trabalho Temporário passam a ter a obrigação de identificar no sistema de informação da segurança social também as entidades utilizadoras, para além dos trabalhadores temporários colocados no momento da cedência do trabalhador à empresa utilizadora de trabalho temporário.
4. No que toca a “estágios” e a “períodos de trabalho experimental”, existem novidades? Quais são?
Nos Estágios a alteração mais relevantes é:
Passa a determinar-se que um estagiário não pode receber um valor inferior a 80% da RMMG.
A entidade promotora do estágio deve contratar um seguro de acidentes de trabalho que abranja o estagiário.
A relação jurídica decorrente da celebração de um contrato de estágio é equiparada, para efeitos de segurança social, a trabalho por conta de outrem.
Nos períodos experimentais na contratação as alterações relevantes são:
O período experimental pode ser reduzido no caso da duração do estágio profissional com avaliação positiva, para a mesma atividade e empregador diferente, ter sido igual ou superior a 90 dias, nos últimos 12 meses.
A denúncia do contrato durante o período experimental, depois de decorridos mais de 120 dias, passa a ter de ser feita com uma duração mínima de 30 dias.
No caso das denúncias de contrato por tempo indeterminado de pessoas à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração a denúncia passa a depender de comunicação à ACT, no prazo de 15 dias após a denúncia.
Às situações de denúncia abusiva (em abuso de direito) passa a aplicar-se o regime dos efeitos da ilicitude do despedimento, nomeadamente quanto ao direito de o trabalhador reclamar:
- Indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais);
- Reintegração na empresa ou indemnização em substitutiva;
- Compensação pelas retribuições intercalares.
É ilícita a denúncia no período experimental que constitua abuso do direito, a apreciar nos termos gerais. O caráter abusivo da denúncia só pode ser declarado pelos tribunais judiciais.
5. Que mudanças foram aprovadas relativamente a contratações e despedimentos?
As empresas vão deixar de poder contratar trabalhadores a recibos verdes para, posteriormente, e no mesmo posto ou atividade, suceder um trabalhador temporário.
Outra alteração aprovada, é a de que, a partir do presente ano, passa a ser uma contraordenação muito grave o recurso a outsourcing das empresas que, num período de 12 meses anteriores, fizeram despedimentos coletivos ou por extinção de postos de trabalho.
Houve o aumento do valor da compensação por cessação dos contratos a termo, que passa de 18 para 24 dias de retribuição base e, ainda, diuturnidades por cada ano completo.
6. Uma importante mudança observada este ano, fruto de uma necessidade de regular o trabalho híbrido, prende-se com as medidas que permitem um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Quais foram e o que representam para o panorama laboral português?
O direito ao trabalho e os direitos do trabalhador estão inscritos nos artigos 58º e 59º da Constituição da República Portuguesa. Nestes dois artigos estão os direitos que são a base de qualquer relação laboral. Estes são alguns dos exemplos de direitos fundamentais:
- Um salário que constitua uma retribuição justa e adequada ao trabalho efetuado;
- Normas de higiene e segurança no trabalho que permitam condições adequadas para os trabalhadores desenvolverem a sua atividade e que permitam reduzir o risco de doenças profissionais.
- Assistência em situações de desemprego, acidentes de trabalho ou doença profissional;
- A definição de um salário mínimo atualizável;
- A definição de um limite de duração do trabalho.
Proteção na parentalidade
Além destes princípios, há direitos que reforçam o equilíbrio entre vida profissional e vida familiar e que estão explícitos no Código do Trabalho. Por exemplo, os trabalhadores não podem ser discriminados por decidirem ter um filho.
Uma alteração importante é o facto de a licença parental do pai, ter sido aumentada dos 20 para 28 dias (podendo os mesmos serem seguidos ou interpolados). Tendo de ser gozada nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, nos quais, cinco destes dias, serão gozados de modo consecutivo e imediatamente a seguir ao nascimento da criança.
Uma outra novidade, é o facto de os trabalhadores passarem a poder faltar 20 dias por morte do cônjuge, em vez dos atuais 5 dias. Assim como, passa a ser permitido aos pais faltarem três dias por luto gestacional.
O direito a férias e descanso
Atualmente, estão garantidos dias de trabalho com um máximo de oito horas, um mínimo de 22 dias úteis de férias pagas e um descanso semanal para todos os trabalhadores. As férias são obrigatórias e irrenunciáveis.
Foi alterado, o valor das horas extra. Ora, será aumentado o valor das horas extraordinárias a partir das 100 horas anuais.
Teletrabalho: alargamento de abrangência e despesas
O direito ao teletrabalho sem necessidade de acordo é alargado. “O trabalhador com filho com idade até três anos ou, independentemente da idade, com deficiência, doença crónica ou doença oncológica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito.”
O contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar na celebração do acordo para prestação de teletrabalho o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais. Na ausência de acordo entre as partes sobre um valor fixo, consideram-se despesas adicionais as correspondentes à aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes da celebração do acordo, assim como as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no último mês de trabalho em regime presencial
Essa compensação é, para efeitos fiscais, “custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador até ao limite do valor definido.
A formação profissional
A formação profissional dos trabalhadores é obrigatória. Só assim se aumenta a competitividade da economia portuguesa pela valorização dos seus trabalhadores. Para que isso não signifique um encargo insuportável, para além das obrigações a que a entidade empregadora está sujeita, há vários mecanismos de apoio a que uma empresa pode concorrer.
Os deveres do trabalhador
Os deveres do trabalhador estão patentes no Código do Trabalho. Na maior parte dos casos, o profissionalismo e o bom senso são suficientes para que um trabalhador cumpra com os seus deveres para com a entidade patronal.
Mesmo assim, merecem destaque:
Respeito pelos colegas e pelo empregador;
Assiduidade e pontualidade;
Trabalho com zelo e diligência;
Cumprimento de ordens, desde que não colidam com os seus próprios direitos;
Lealdade para com o empregador, não negociando nas suas costas nem revelando informações confidenciais a terceiros.
7. Apesar de não ter sido uma mudança implementada este ano, termina, em 2023, o período de transição da Lei da Contratação de Pessoas com Deficiência. Diz-nos o que representa esta mudança para as empresas, na prática.
Esta Lei veio estabelecer o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60 %, visando a sua contratação por entidades empregadoras.
Abrange as médias empresas ou outras entidades empregadoras de direito privado, com um número de trabalhadores entre 75 e 249; e a grandes empresas ou outras entidades empregadoras de direito privado, com 250 ou mais trabalhadores;
Podem beneficiar do sistema de quotas de emprego, as pessoas com deficiência com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%.
A Lei prevê duas exceções:
Exceção relativa à aplicação da Lei. Podem ser excecionadas da aplicação da Lei as entidades empregadoras que comprovem a efetiva impossibilidade da sua aplicação aos seus postos de trabalho. Esta exceção pode aplicar-se a todos ou a alguns dos postos de trabalho da entidade empregadora, consoante as suas características. Para o efeito, as entidades empregadoras devem requerer a exceção junto da ACT. O pedido de parecer prévio a apresentar deve ser acompanhado de informação fundamentada que comprove a efetiva impossibilidade da aplicação das quotas aos seus postos de trabalho, designadamente, sobre bens e serviços produzidos, número de estabelecimentos, organograma, caracterização dos postos de trabalho, condições de acessibilidade e mobilidade da empresa, sector(es) da empresa e posto(s) de trabalho que não podem ser ocupados por pessoas com deficiência.
A decisão compete à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), com base no parecer do INR. A decisão de exceção da ACT produz efeitos a partir do início do ano subsequente ao da entrada do pedido e mantém-se enquanto se mantiverem as condições que a fundamentaram.
Exceção relativa ao cumprimento da quota. Podem ser excecionadas do cumprimento da quota (percentagem de trabalhadores com deficiência), a partir da data em que o seu cumprimento é obrigatório, as entidades empregadoras que comprovem, junto da ACT, que não existiam, inscritos no IEFP, candidatos com deficiência, que preenchessem os requisitos necessários para preencher as ofertas que apresentaram no ano anterior. Esta exceção apenas poderá ser solicitada a partir de 2024 ou 2025, conforme o período transitório aplicável, tendo por base as ofertas apresentadas ao IEFP no ano anterior (a partir de 2023 ou 2024, respetivamente). Para serem excecionadas do cumprimento da quota, as entidades empregadoras devem apresentar, nomeadamente, declaração do IEFP que confirme esta situação.
A Nortempo sendo uma empresa de trabalho temporário, empresa esta que presta determinado serviço específico a um cliente (empresa utilizadora) que assume as responsabilidades perante o colaborador, tais como pagamento, seguro de acidentes de trabalho e outros direitos previstos em contrato. Na fase de recrutamento tem nesta área dificuldade acrescida, porque esta condicionada na contratação pessoas com deficiência que consigam exercer, sem limitações funcionais, a atividade a que se candidatam; apresentando limitações funcionais, estas sejam superáveis através da adequação ou adaptação do posto de trabalho e/ou de produtos de apoio nas instalações da empresa utilizadora; tendo capacidade de trabalho reduzida, as limitações funcionais que evidenciem sejam superadas pela adequação do posto de trabalho, através da introdução de ajustamentos no processo de trabalho e nas tarefas que lhe estão restritas depende de empresa utilizadora.
8. No geral, qual é a principal conclusão que podemos tirar das mudanças observadas no Código do Trabalho para os colaboradores? E para as empresas?
O Código do Trabalho é um documento jurídico vivo, atualizado à luz das necessidades sociais e empresariais, logo deve estar em constante revisão. A sociedade muda, os contextos laborais e as necessidades de empregados e empregadores mudam, assim como as formas de colaboração, pelo que é imprescindível que o Código do Trabalho esteja atualizado.
Estas atualizações protegem a relação entre empresas e colaboradores, mas podem gerar confusões ou desatualizações a quem as precisa de implementar, incorrendo em ilegalidades, penalizadas através de coimas ou outros métodos. Por isso é tão importante mantermo-nos a par das mudanças.
É de consenso e tem sido objeto de argumentos contraditórios que as alterações ao Código do Trabalho ficaram aquém do era possível. A opção pelo uso de “remendos” e “pensos rápidos”, para contornar os efeitos nefastos que as anteriores e sucessivas alterações promovidas têm causado, é cada vez mais difícil do ponto de vista da interpretação e da sua aplicação que não favorece a relação entre empresas e colaboradores.
Em suma, os legisladores deviam procurar estar mais atentos às dificuldades reais, da prática, para que possam dar uma resposta cabal e, assim, contribuir para um equilíbrio e pacificação das relações trabalhador-empregador, com vista a promover uma série de normas que possibilitem a melhoria das condições de trabalho e a conciliação entre a vida pessoal e profissional.
Pilar Morais
Gestão de Recursos Humanos & Jurídicos Nortempo Portugal